O elo, a corrente e o ferreiro: construindo o senso de comunidade
Ao perceber que temos uma sexualidade desviante daquela que é considerada normativa, a falta de elo, ou a necessidade de pertencimento por vezes nos assola. E é no anseio por acolhimento para essas novas descobertas que buscamos fazer parte de uma comunidade.
Nas Ciências Sociais, o conceito de comunidade é extremamente relevante e encontramos diversas visões sobre o tema, mas vamos utilizar neste artigo a ideia propagada pelo sociólogo alemão Max Weber. Para o autor, “chamamos de comunidade a uma relação social na medida em que a orientação da ação social, na média ou no tipo-ideal, baseia-se em um sentido de solidariedade: o resultado de ligações emocionais ou tradicionais dos participantes.” Ou seja, o autor entende que as ações sociais são resultado do compartilhamento de ideais, de afetos e de solidariedade.
Assim, podemos dizer que as comunidades são formadas a partir daqueles que compartilham algo em comum, como práticas, gostos, interações, ideologias e até espaços geográficos. Nesse sentido, criam-se também símbolos identitários, gerando uma noção de associação, como é o caso das bandeiras que expressam o orgulho de pertencer a um determinado grupo. Aqui destacamos a bandeira criada por Tony DeBlase e que foi exibida pela primeira vez no Mr. Leather Contest em 1989 em Chicago, tendo sido adotada como símbolo por praticantes de S&M, fetichistas Leather e, por extensão, qualquer entusiasta do BDSM ou práticas relacionadas. Existem ainda muitas bandeiras relacionadas tanto a outras sexualidades quanto a fetiches específicos e o leitor pode consultá-las através das referências ao final deste texto.
No entanto, a ideia de comunidade não prega uma ruptura com o individualismo. As identidades individuais podem e devem coexistir dentro de uma comunidade. Na construção das sociedades muitas foram as correntes filosóficas e de pensamento que ora se opuseram e ora se complementaram: Sócrates se opôs aos sofistas, mas foi complementado por Platão; Aristóteles aprofunda a discussão de Platão e depois vem Nietzsche e Marx e apresentam um ponto de vista totalmente diferente dos demais. E é nessa pluralidade de opiniões e visões que evoluímos enquanto espécie e enquanto sociedade.
Na comunidade kinky* isso também acontece. Por exemplo, não há um consenso sobre questões como hierarquia e verticalidade, sobre switchers, maledom, fendom e muitos outros assuntos. E pensamos que está tudo bem ter visões diferentes, porque o debate de ideias engrandece as discussões. Esse cenário de diversidade faz surgir novas categorias identitárias, tais como os leathers, BDSMers, fisters, agers e muitos outros. O que julgamos essencial é o respeito inegociável da consensualidade e a construção de relações baseadas em acordos.
Endossamos o senso de comunidade fazendo uma analogia a uma corrente que pode ser forjada por um ferreiro. Ele quem produz os elos da mesma e estas nunca saem iguais apesar de servirem a um mesmo propósito que é “manter junto”. Nessa analogia, os elos apresentados seriam os indivíduos kinksters, a corrente representaria a comunidade como um todo e o ferreiro, sem o qual nem o elo e nem a corrente existiriam, funcionaria como as práticas.
Sendo assim, para nós, suas escritoras, a comunidade não se faz através de um único pensamento e uma única verdade, mas no respeito às múltiplas formas de pensar e enxergar o mundo e o SubMundo.
Portanto, como forma de exercitar o senso de comunidade, decidimos criar o SubMundo para fortalecer e dar visibilidade a todos os bottoms, contribuindo com seus estudos através da disseminação do conhecimento para que não fiquem vulneráveis a todo tipo de armadilhas e possam vivenciar suas práticas com segurança e autonomia.
* O termo kinky deriva de kink que no inglês significa “torção” e faz referência à ideia de uma curva no comportamento sexual. O termo vem para dar conta de toda manifestação sexual que foge aos comportamentos normatizados.
Referências:
Weber, Max. Conceitos básicos de Sociologia. São Paulo: Editora Moraes, 1987
https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Leather,_Latex,_and_BDSM_pride_-_Light.svg